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Abortaria O Meu Passado

Choro, canções que invadem o espirito de qualquer individuo normal e anormal, mais e mais choro e canções que invadem o espirito de qualquer homem normal e anormal.

E eu no meio de tanta gente conhecida, no fundo desconhecida e mais alguma coisa, os nossos familiares, tal como é obvio,  la estavam, os nossos vizinhos também la estavam, mais colegas do servico da minha " Guia-mama", irmãos da igreja, primos que eu ja não via ha anos ...

E de repente " silêncio".
Em fim alguém teve coragem de parar essa canção perturbadora, que sem permissão para além de invadir explorava todo o meu rio espiritual, era a mão do Pastor ja no ar anunciando que ja podiamos colocar flores sobre a campa da minha Guia-mama.

Confesso que ate aquele momento eu ainda não havia acreditado em nada daquilo, achei que fosse mais um sonho estranho, um sonho africano, um sonho do mal sonhar mas não, ela realmente havia partido dessa para a melhor, havia deixado o mundo que nunca fora dela e aquele era o seu enterro.

Eu me sentia como se nada mais tivesse sentido na vida, afinal não nascemos para viver, então para que morrer?? Me sentia como uma praia  cheia da ausência de água, como se o dia não tivesse mais a sua tarde, como se a floresta mal tivesse o seu verde puro, de certeza aquele também era o meus fim, eu acabava de virar um cadáver ambulante, um morto caminhante, um vivo sem vida.

No meio daquele cenário triste e unico, la estava eu, reflectindo, me cobrando e me culpando

A minha Guia-mama sempre dizia: se quer me dar algo me da ainda em vida, não espere que eu morra para me dar, para me oferecer flores, para dizer o quanto me ama.

Nunca fui um dos melhores filhos alias, eu nem tinha comportamentos de filho, nasci deficiente e para me sentir bem ou melhor, eu quis jogar a culpa disso em alguém, e quem seria a não ser quem me dera a luz? Fazia questão de esfregar na cara dela que eu só nasci desse jeito por culpa dela, que se talvez ela tivesse falado com o tio de la de longe, aquele que conhecia bem sobre os remedios que vem dos antepassados, do fundo do mar, talvez eu tivesse crescido como qualquer pessoa normal, teria tido uma infância normal ou se talvez ela tivesse feito um aborto, qualquer coisa valeria, teria sido melhor do que crescer limitado.

Dava dó só de ver o semblante dela quando eu proferia tais palavras, a sua alma chorando mesmo que sem tirar uma lagrima, é que lagrima é pouco, ela provocava uma tempestade que se deslocava redemoinhando com enorme velocidade, vulgo ciclone, sentia que os danos do mesmo eram mais internos do que externos, a sua alma chorava, pegava fogo e quando isso acontece, tal como dizem os mais vividos, nem os bombeiros conseguem apagar.

Quando a alma chora não ha lenço que a limpe e não ha sorriso que esconda o seu choro.

No fundo no fundo eu só a culpava porque queria que alguem também sofresse, vivesse um pouco do que vivo, poderia nem ser por também ser especial mas por ouvir tamanhas palavras dum filho,  é que nunca foi facil para mim viver com aquele olhar das pessoas, olhar de pena, de coitado, de " que Deus o ajude", aquela exclusão social, aquele preconceito, dai que eu precisava diminuir tudo isso em alguém, fiz tudo o que fiz não exactamente por aquilo que eu tinha dentro de mim mas, por aquilo que vinha dentro de mim, o ambiente onde vivemos, influencia e muito no nosso ser e estar.

A minha Guia-mama, aquela que sempre lutou para me conduzir a melhores caminhos, ao caminho da paz e gloria, aquela que tal como uma galinha protege os seus pintos me protegia, culpa nenhuma Ela tinha.

Nascer deficiente nunca é culpa dos pais, as pessoas deficientes assim nascem porque é assim como deve ser, o que seria do mundo sem as diferenças, se ate o dia e a noite são o exemplo mais claro da separação ou diferença e mesmo assim não vivem um sem o outro? O que seria do mundo sem as divergencias? Sem as tipicidades? Sem as mudancas? nada teria sentido, seria como viver para não surpreender, viver para não lutar, viver para não se sentir vivo, viver para confirmar, viver para ser mais um.

A diferença não faz mal, só faz mal que o diferente se sinta mal, que  o dito normal trate diferente o especial. Digo 'o dito normal' porque eu parto da ideia de que todos somos especiais, todos temos algo que nos singulariza e ...

-Hei, hei, alo, alooo primo Alvaro ainda estas aqui???
(era o meu primo Bento livrando-me dos meus pensamentos desgastantes)

-ainda estou sim, tudo bem???
(era eu o saudando)

-estou sim, meus pesames primo

Fiquei por muito tempo pensando no que falaria, no que diria, eu não sabia o que dizer, nunca antes estivera em tal situação, na escola nunca tive uma materia desses, não sabia se dizia um muito obrigado ou um simples de nada além de que, eu ja estava cansado de ouvir essa frase " Meus Pesames" estou ha dois dias ouvindo isso, ja me cheirava a um filme de terror, e para piorar todos os que me diziam esta frase, apareciam com uma cara de morto, eu ate podia encontra-los sorrindo mas bastava se derigirem a mim que mudavam a cara, era como se vestissem outra mascara, a mascara da desgraça e pena, talvez fosse uma febre que abalava a todos. Eu só queria mais é não ouvir mais essa frase pois me lembrava constantemente sobre o meu luto, a minha tristeza, minha mama, aquela que eu amava e que contrariando os seus ensinamentos só agora é que eu dizia o quando a amava.

Antes de dizer algo ao primo, o Pastor mais uma fez efectuou o seu bloqueio, anunciava que ja era tempo de colocar água sobre a campa para que posteriormente fossemos a casa.

Naquele momento eu só queria que Deus efectuasse um milagre, realizasse o evento sobrenatural, inacreditavel e impossivel aos olhos de qualquer homem mortal, eu implorava, me raspava e rastejava por um milagre, lembrava que na biblia vem que o Altissimo ja ressuscitou o irmão da Maria, ja chamou de novo a vida do Lazaro, homem de fê como a minha Guia-mama, só queria que Ele fizesse o mesmo com a minha Guia-mama.

Viciado em culpar alguém, eu ja culpava a Deus pelo ocorrido, é tudo culpa sua, o senhor nunca gostou nem de mim e nem da minha Guia-mama, dai que ate nasci assim, o senhor nunca me quis bem, o Senhor não é o que dizem ser, não é nada justo, não é nada cheio de amor, não é nada bondoso, nao é misercordioso. Eu dizia isso chorando, desesperado, desnorteado, sem inicio nem fim, aquilo era real demais para mim.

Ora eu também voltava a mim mesmo e pedia a Deus, implorava, eu só queria que ela levantasse, queria ve-la mais uma hora, mais um dia, dize-la o quanto a amo, o quanto a minha vida não faz sentido sem ela. Só queria ve-la mais um dia, de certeza eu a cuidaria mais, diria o quanto a amo, não perderia o meu tempo discutindo, a abraçaria mais, seria o filho mais feliz e a tornaria na Mãe mais feliz do mundo, levanta Mãe, levanta, sai dai, sai dai, mãe, mãe...


                By Matimbe, Lourenço

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Aos 22 de Dezembro de 2019

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